Serenidade.

ORAÇÃO DA SERENIDADE

"Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras".

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Eu a conheço melhor do que ninguém. Apareceu cedo, talvez quando eu nem sonhava em existir, mas eu já nasci e cresci sabendo do seu comportamento, e a vi carregando em seus braços toda a sombra de prosperidade que habitava a minha casa. Mas nunca tive medo, eu sempre fui mais forte.

Ela chegava devagar, com amigos, bebida, risadas. Era sempre tarde, e eu nunca conseguia dormir quando aparecia. Velava o sono do meu irmão, com medo do seu choro.
Ela não nos fazia mal, nunca nos tocou, mas arrancava de nós a esperança de ter de volta tudo que um dia ela tomou. Ela dizia que ia devolver, mas eu nunca tinha certeza disso. Ao contrário, a via pegar emprestado todo o tempo.

Era uma mistura de tristeza e alegria: risos de noite, choros de dia.
Uma noite, ela me fez sair correndo por Salvador com minha mãe e irmão, nos caçava, nos tirava a paz, dizia que não seria tão fácil se livrar, pois ela já era íntima, não aceitaria a separação assim.
Eu de cá me perguntava porque ainda a deixavam entrar, mas ninguém nunca sabia me responder. Talvez faltasse força. Eu assistia tudo, aguentava tudo, estudava, observava e tirava exemplos. Não julgava, mas sabia onde tudo aquilo ia parar.

Um dia ela levou nossa dignidade, nossa moral. Levou nossas casas, carros e bens.
Ela tentou matar meu pai, mas ele nunca se entregou. A verdade é que ele nunca se deixou dominar por ela, apesar de te-la na vida, nunca esqueceu quem era.
Há pouco tempo, tentou matar a minha mãe, que por pouco se deixou sufocar, mas estávamos ali, juntos e, felizmente, ela fracassou.

Eu a vejo nas ruas, entre amigos, amigos de amigos, desconhecidos. A vejo entre gente rica e pobre, gente influente e famosos. Já tentou se aproximar de mim várias vezes, de várias formas, mas eu não preciso senti-la pra saber.

Conheço suas ondas, suas caras, suas várias sensações. Conheço sua herança, seu poder e controle. Sei de tudo que precisa, de tudo que retira, o quanto é ambiciosa e sempre quer mais. Sei das angustias, seus vários nomes e modos de uso.

Sou phD sem precisar de diploma, sou profunda conhecedora e sobrevivente.
Eu a vi de perto. Eu a quero longe. Ela rouba seu tempo, suas oportunidades, sua juventude, sua coragem. Rouba sua alegria, sua auto-estima, rouba também o material.

Eu vi a DROGA destruir a minha família. Eu vi a droga levar amigos dos meus pais, amigos de amigos. Eu vi a droga tentar triunfar sobre a vida das pessoas que mais amo. Eu vi duas mães fazerem o possível e o impossível pelos filhos. Eu convivo com ela desde que nasci, mas o passado não mais me interessa. Quero olhar pra frente.

Aqui, deixo meu testemunho, o passado de uma família agora reconstruída. Se a minha conseguiu, tantas outras também hão de fazê-lo, mas é um processo doloroso, com mais perdas que ganhos. E o tempo perdido, é a única coisa que jamais há de se recuperar.
Seja limpo, fique limpo. Evite o primeiro gole, o primeiro trago, a primeira 'bola'.
Viva bem, só por hoje. Cuidado pra doença não te pegar.



Camila, 26 anos,
filha de dependentes químicos.